A juíza Inês Marchalek Zarpelon, da Primeira Vara Criminal de Curitiba, disse que foi "mal interpretada" (vamos deixar registrado que o texto dela era de fácil compreensão...). A magistrada se referia à sentença (tornada pública por uma advogada de defesa) na qual associa a cor negra de um condenado à participação em atos criminosos.
Ela foi bem clara no texto sobre o condenado: "Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça." Assim mesmo, a juíza afirma que a frase foi "retirada de contexto".
Veja a nota que ela publicou:
“Sobre sua conduta social, nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça, agia de forma extremamente discreta, os delitos e seu comportamento, juntamente com os demais, causavam desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente. A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor. O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social. A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades. Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender. A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas. A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas. Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais. O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo. Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém."
O condenado é Natan Vieira da Paz, 42 anos, negro. Recebeu sentença de mais de 14 anos de prisão acusado de participar de uma quadrilha que fazia os assaltos de "cavalo louco" ou "saidinha" de banco.
A advogada de Natan, Thayze Pozzobon, também divulgou uma nota sobre o caso:
"O nome do SER HUMANO violado com as palavras proferidas pela magistrada é Natan Vieira da Paz, homem, 42 anos, negro. Com autorização do cliente, estou divulgando o nome na esperança de que repercuta mais ainda. Associar a questão racial à participação em organização criminosa revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na sociedade brasileira. Organização criminosa nada tem a ver com raça, pressupor que pertencer a certa etnia te levaria à associação ao crime demonstra que a magistrada não considera todos iguais, ofendendo a Constituição Federal. Um julgamento que parte dessa ótica está maculado. Fere não apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira. O Poder Judiciário tem o dever de não somente aplicar a lei, mas também, através de seus julgados, reduzir as desigualdades sociais e raciais. Ou seja, atenuar as injustiças, mas jamais produzi-las como fez a Magistrada ao associar a cor da pele ao tipo penal.
Exigimos providências!"
OAB TAMBÉM PEDE PROVIDÊNCIAS
A Ordem dos Advogados do Brasil-PR, comunicou que solicitou ao Tribunal de Justiça do Paraná e ao Ministério Público, providências para apurar os fatos ligados à sentença da juíza da Primeira Vara Criminal de Curitiba. A OAB também deve protocolar um pedido de abertura de procedimento administrativo no T.J.
Natan é o rapaz à esquerda