Na ampla varanda, ela me convidou pra sentar à uma pequena mesa para um café, enquanto soprava uma leve brisa que amornava, um pouco, aquela bebida quente e forte. Ao pegar a xícara de metal para sorver a bebida (cujos grãos foram produzidor ali mesmo, naquela propriedade) senti sua mão sobre a minha. Carminha afirmou:
----" Depois do café com bolo de fubá, vamos ler um capítulo do livro "Ética" de Baruch Espinoza. Pedirei pra minha prima Vênia, que está na sala, que coloque na vitrola um disco de Maurice Ravel".
--- "Ok. Só peço, respeitosamente, que Vênia não se demore. Tenho que voltar, antes que escureça para a cidade. Minha turma irá se reunir". Arguí.
Aqueles olhos castanhos de Carminha me fuzilaram como se fossem pistolas disparando num condenado por um tribunal de exceção.
Assustado, perguntei:
---- "Você está me julgando?"
Ela respondeu:
---- "Ainda não. Estou aqui formulando uma tese: estaria ele pensando em algo que fugisse da ética e dos bons costumes?"
Usando meu direito à palavra, respondi:
----"Até tu Carminha? E o meu direito à presunção de inocência? Está me culpando sem provas".
----Não...só acho que hoje não é o dia da reunião da sua turma. Você está querendo ir embora, não sei por qual motivo..."
--- "Com todo respeito, afirmo: é um direito seu pensar dessa maneira. Mas verás que, historicamente, não ajo da maneira como supõe. Estude melhor o meu caso..." desabafei.
Nos acalmamos para tomar aquele café delicioso. O bolo de fubá também estava perfeito. Comi algumas fatias sem moderação. Já pleiteava mais um pedaço generoso. Sentindo que a paz voltara a reinar, Carminha se dirigiu à prima:
--- "Peço, Vênia: coloque o disco de Ravel para tocar."
Já era tarde. O sol começava a se por e seus últimos raios ainda insistiam em brilhar por trás das montanhas das Minas Gerais. Como se, num último esforço naquele dia, estivessem a demandar: "Recorremos ao supremo criador que nos permita iluminar, por mais um tempo, esse casal".
Com tamanha beleza natural, o som perfeito de Ravel, o café e o bolo de fubá, não haveria porquê recorrer à Natureza para que se fizesse qualquer correção na forma material ou comportamental daquela situação em que estávamos.
No nosso entendimento, aquele encontro havia sido perfeito à luz que o sol mandava. Sorrimos. Mas fiquei com uma irresolução : "Por que Carminha pensara aquilo a meu respeito? Estaria ela elucubrando que sou um elemento desprovido de qualidades inerentes à fidelidade?"
Por um instante, meus sentimentos esfriaram como aquele café que ainda restava no bule.
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