sábado, 7 de outubro de 2017

BLADE RUNNER, 1982 (DIRETO DO TÚNEL DO TEMPO)

  O professor e escritor Benedito Costa Neto escreve sobre "Blade Runner", mas, também, relembra "que mundo era aquele" em 1982....professor, e como será em ....2049???

E o cinema do shopping São José ficava na parte de cima, ao fim de um corredor.
Lá, eu vi “O império dos Sentidos”, “Calígula”, “Je vou salue, Marie”. Os demais, eu vi mesmo menor de idade. Parecia mais velho e ninguém nunca queria ver um documento. Eu podia ver o filme que quisesse. Já o filme de Godard, não. Eu já tinha 18-19 anos, mas quase não consegui entrar porque um grupo de freiras (sim, de freiras), barrava a entrada do cinema, com cartazes de ordem e sobre o inferno e a heresia. Sempre a igreja passando vergonha. (Se elas soubessem o que o padre do Jardim Satélite fazia na night… hmmm, elas não iam fazer nada, porque é assim que as coisas funcionam.)
E lá que eu vi “Blade Runner”. Eu tinha 15-16 e o diretor, 45. Ridley Scott já tinha feito “Os duelistas” e “Alien”, que já tinham sido marcantes na minha iniciante carreira de cinéfilo. Mais a frente, ele faria “Thelma e Louise”, e mais a frente ainda nossa relação foi degringolando até eu parar de admirá-lo. Pedi divórcio.
Um amigo muito querido (já falecido) dizia que odiava os americanos mas amava o cinema deles. Claro: era uma frase de provocação, com um fundinho de verdade como a crosta de caramelo dos pudins.
Para quem não viveu esta época, Umberto Eco havia lançado “O nome da Rosa” em 1980 e “Blade Runner” foi lançado em 1982. Havia certa nostalgia sobre o cinema e a literatura noir e ainda pela literatura policial, e não à toa ela aparecia na literatura (na pele de um monge medieval) e na pele de um policial do futuro (Rick Deckard). No Brasil, isso também invadiu a televisão e também o cinema. Há muitos estudos sobre isso, muitas possibilidades, e não vou enveredar pela discussão do porquê em determinado momento da história uma moda abre como uma flor de época.
Ocorre que era um momento particular, tanto da história como na vida de Ridley Scott. O papa era polonês, a Europa caminhava para uma nova estruturação, já se falava em “nova ordem mundial”, com blocos fortes, o Brasil saía (hoje, percebemos) de um período militar cujo resultado nefasto vivemos até hoje, o ABC estava em chamas com greves poucas vezes vistas, começava uma década de grande agitação cultural (na música, por exemplo), que se viu muito pouco depois igual.
Longe de querer fazer um panorama extenso do começo da década de 1980, estava lá o “Blade Runner” de Ridley Scott. O filme mesclava referências e ganhou um título no Brasil, “O caçador de Andróides”. Embora basicamente fossem replicantes, ok. Trazia um ator que estaria presente nos mais icônicos filmes da época (afora “Blade Runner”, “Os caçadores da Arca Perdida” e “Star Wars”, nada mais, nada menos), uma atuação marcante de Rutger Hauer e Daryl Hannah, que depois amargaram senão o ostracismo uma carreira descendente. Há cenas inesquecíveis como Hannah a pintar os olhos (copiada em 9 de 10 festas à fantasia posteriormente) e o embate final de Batty com Deckard, ainda com referências eruditas, que, na época, os mais ousados, apressados ou criativos, iam buscar em Dante, Milton ou Goethe, não sem razão. “Blade Runner” era um filme de entretenimento mas que conseguia captar certa situação da época, do mais podre ao mais nobre, do vivido no dia a dia à referência mais culta. E, de quebra, uma história de amor.
Grandes filmes americanos, a despeito de terem como pano de fundo guerras sangrentas ou graves crises humanas, tinham lá seus casais amorosos, fosse “O vento levou” ou “Casablanca”. Não estou comparando esses filmes em sua essência, mas sei que “Blade Runner” não ficou na memória das pessoas pelo diálogo possível com alguma obra magistral da literatura e a discussão sobe a essência humana.
Ah, Rachael. O olhar de Rachael. Rachael acendendo um cigarro. O andar de Rachael.
Assim, admiro a coragem de Denis Villeneuve. Ele, que já me deixara perplexo com “A chegada”. Ele sabe que jamais poderia resgatar todo o contexto de “Blade Runner” e que ia/podia ser criticado porque o outro é melhor.
“Blade Runner 2049” é um filme impressionante. Para o bem ou para o mal é, segundo o próprio diretor, um “filme mais com a cara dele do que com a cara de Ridley Scott”. Eu nem fui ver ao filme como fosse uma sequência. Desisti disso depois de “Star Wars” e “Alien”. Afinal, cada época com suas loucuras e suas soluções.
Sem spoilers (loucura dos tempos modernos, um saco!), lembro que o cinema do shopping São José tinha sessões duplas. Após ver um filme da atualidade, seguia-se uma sessão com um clássico. Então, era possível ver Fritz Lang ou Hitchcock. E , a partir daí, construir diálogos possíveis.
Na Folha (que um dia foi um jornal descente), podia-se ver a imagem que eu coloquei aí para ilustrar, a coleção inverno 1982 de Jean Paul Gaultier.
As coisas pareciam caminhar bem. Mas deu no que deu.

                                                                   

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