quinta-feira, 2 de março de 2017

"PERSONAGEM" NO JORNALISMO: JÁ SATUROU?

    Muita gente acha que o "personagem" numa reportagem é "invenção" da Rede Globo, mas não é! Surgiu no jornalismo impresso. Pra quem não é "familiarizado" com essa gíria jornalística, o "personagem" é a pessoa comum que "vive" a notícia.
    O jornalista Haroldo Ceravolo Sereza, da "Publishnews", escreveu um texto sobre crise no mercado das grandes livrarias. Mas também falou um pouco sobre jornalismo. Esse trecho é reproduzido abaixo. O texto foi compartilhado pelo professor Benedito Costa Neto.

"Essa história é de quando eu trabalhava n’O Estado de S. Paulo, no começo dos anos 2000. Poucos anos antes a direção do Jornal da Tarde implementou um modelo de fazer jornalístico que exigia a figura do “personagem”. No jargão jornalístico, “personagem” é uma pessoa comum que “encarna” a notícia. Por exemplo, se há um crescimento no número de pessoas que estudam japonês na cidade, o “personagem” a ser apresentado é um típico paulistano da Mooca, preferencialmente com sotaque italiano, que gosta de ler mangás originais. Ele vai explicar porque acha importante ler mangá. A notícia ideal nesse modelo não é “cresce o número de escolas de japonês” em São Paulo, mas “Antonio Carcamano está aprendendo japonês para ler mangás”. Se a inflação está crescendo por causa dos hortifrútis, a “personagem” é a dona de casa que está parando de comprar tomates por causa do preço. E por aí vai.
Parece bacana, né? Mas pense num jornal inteiro assim: fica repetitivo, superficial e, quase sempre, preconceituoso. Bom, o fato é que a direção do Jornal da Tarde aproveitou um momento de crescimento e apostou no modelo. Os mais animados falavam em “new jornalism”, os mais burocratas gritavam aos repórteres: “Cadê a personagem?! Eu quero a personagem”. Passados alguns meses, resolveram fazer uma pesquisa sobre o que pensava o leitor. E a resposta foi bastante simples: aquela história de personagem estava enchendo o saco: os cadernos que haviam mergulhado no projeto eram os mais mal avaliados. 
A direção do jornal não recuou. Insistiu no projeto. O resultado prático? Bom, muita gente vai dizer que foi a internet que acabou com o Jornal da Tarde, outros dirão que o Estadão nunca deixava ele crescer. Mas o fato é que o Jornal da Tarde não existe mais..."

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